quarta-feira, fevereiro 28, 2007

INSÓNIA

-V-

Já sobre o coche d,ebano estrelado
Deu meio giro a noite escura e feia;
Que profundo silêncio me rodeia
Neste deserto bosque ,à luz vedado!

Jaz entre as folhas Zéfiro abafado,
O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho ,às trevas costumado:

Só eu velo ,só eu,pedindo à sorte
Que o fio com que está minha alma presa
À vil matéria lânguida me corte:

Consola-me este horror esta tristeza;
Porque os meus olhos se afigura a morte
No silêncio total da natureza.

-BOCAGE-

terça-feira, fevereiro 27, 2007

CONTRA A INGRATIDÃO DE NISE

-IV-

Raios não peço ao criador do mundo,
Tormentas não suplico ao rei dos mares,
Vulcões à terra,furacões aos ares,
Negros monstros ao báratro profundo:

Não rogo ao Deus d,amor,que furibundo
Te arremesse do de seus altares;
Ou que a peste mortal voe a teus lares
E murche o teu semblante rubicundo:

Nada imploro em teu dano,ainda que os laços
Urdidos pela ,com vil mudança
Fizeste,ingrata Nise,em mil pedaços:

Não quero outro despique,outra vingança,
Mais que ver-te em poder de indignos braços,
E dizer quem te perde e quem te alcança.

-BOCAGE-

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

SONHO

-III-
De suspirar em vão já fatigado,
Dando trégua a meus males eu dormia;
Eis que junto de mim sonhei que via
Da morte o gesto lívido e mirrado:

Curva fouce no punho descarnado
Sustentava a cruel,e me dizia:
«Eu venho terminar tua agonia;
Morre ,não penes mais ,ó desgraçado!»

Quis ferir-me ,e de Amor foi atalhada,
Que armado de cruentos passadores
Aparece,e lhe diz com voz irada:

«Emprega noutro objecto os teus rigores;
Que esta vida infeliz está guardada
Para vítima só de meus furores

-BOCAGE-

domingo, fevereiro 25, 2007

O AUTOR AOS SEUS VERSOS

-II-
Chorosos versos meus desentoados,
Sem arte,sem beleza e sem Desventura,
Unidos pela mão da Desventura,
Pela baça Tristeza envenenados:

Vede a luz,naõ busqueis,desesperados,
No mundo esquecimento a sepultura;
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados:

Não vos inspire,ó versos,cobardia
Da sátira mordaz o furor louco,
Da maldizente voz e tirania:

Desculpa tendes,se valeis tão pouco,
Que não pode cantar com melodia
Um peito de gemer cansado e rouco.

-BOCAGE-

sábado, fevereiro 24, 2007

PERÍODO DA VIDA MILITAR(1780a1787

I

PROPOSIÇÃO DAS RIMAS DO POETA

Incultas produções da mocidade
Exponho a vossos olhos,ó leitores:
Vede-as com mágoa ,vede-as com piedade,
Que elas buscam piedade,e não louvores:

Ponderai da fortuna a variedade
Nos meus suspiros ,lágrimas e amores;
Notai dos males seus a imensidade,
A curta duração de seus favores:

E se entre versos mil de sentimento
Encontrardes algumas cuja aparência
Indique festival contentamento,

Crede ,ó mortais ,que foram com violência
Escritos pela mão do fingimento,
Cantados pela voz da Dependência

BOCAGE