sábado, março 31, 2007

OFERENDA A NISE

-XXXVI-

Do abusto,ó Nise,a Vénus consagrado
Envisquei hoje um trémulo raminho,
Pousou nele este incauto passarinho,
E pelos tenros pés ficou pegado:

Então,depois de o ter na mão fechado,
Corri,dizendo alegre:«Eu advinho
Que há-de Nise estimar que o meu carinho
Lhe dedique este músico do prado.»

Disse;e no mesmo instante a simples ave
Desata a linda voz e pricinpia
Um canto harmonioso,agudo e grave:

Ah!por ser tua,entendo que dizia
Que a prisão mais gostosa e mais suave
Que a própria liberdade encontraria!

-BOCAGE-

sexta-feira, março 30, 2007

QUEIXAS CONTRA A INGRATIDÃO DE MARÍLIA

-XXXV-

Em veneno letífero nadando,
No roto peito o coração me arqueja;
E ante meus olhos hórrido negreja
De mortais aflições espesso bando:

Por ti Marília,ardendo,e delirando
Entre as garras aspérrimas da Inveja,
Amaldiçoo Amor,que ri,e adeja
Pelos ares,cos Zéfiros brincando:

Recreia-se o traidor com meus clamores,
E meu cioso pranto...ó Jove,ó nume,
Que vibras os coriscos vingadores!

Abafa as ondas do tartáreo lume,
Que para os que provam teus furores
Tens inferno pior,tens ciúme.

-BOCAGE-

quinta-feira, março 29, 2007

A URSULINA DISTANTE

-XXXIV-

Ursulina gentil,benigna e pura,
Eis nas asas subtis de um ai cansado
A ti meu coração voa alagado
Em torrentes de sangue e de ternura:

Põe-lhe os olhos,meu bem;vê com brandura
Seu miseravél,doloroso estado;
Que nas garras da morte já cravado
A fé,que te jurava,inda te jura:

Põe-lhe os olhos ,meu bem ,suavemente,
Põe-lhe os mimosos dedos na ferida,
Palpa de Amor a vítima inocente;

E por milagres deles ,ó querida,
Verás cerrar-se o golpe,e de repente
Em ondas de prazer tornar-lhe a vida.

-BOCAGE-

quarta-feira, março 28, 2007

QUEIXUMES CONTRA UM RIVAL PREFERIDO

-XXXIII-

Não disfarces,Marília;por Josino
Já nos teus olhos a paixão flameja;
E em que parte estará,que se não veja
O tenro deus,o alígero menino?

Inda que ostentes de ânimo ferino,
Há quem teu níveo peito abrase e reja;
Porém,Marília,dize-me qual seja
A causa justa de um amor tão fino?

Nesse,que as esquivanças te suaviza,
Encontras uma férvida ternura,
Um coração brioso,uma alma lisa?

Seus méritos quais são?...Mas,ó loucura!
Quem é feliz,que méritos precisa?
Que dons há-de mister quem tem ventura?

-BOCAGE-

terça-feira, março 27, 2007

À MORTE DE UMA FORMOSA DAMA

-XXXII-

Os garços olhos,em que Amor brincava,
Os rubros lábios,em que Amor se ria,
As longas tranças,de que Amor pendia,
As lindas faces,onde Amor brilhava:

As melindrosas mãos ,que Amor beijava,
Os níveos braços,onde Amor dormia,
Foram dados,Armânia,à terra fria,
Pelo fatal poder que a tudo agrava:

Seguiu-te Amor ao tácito jazigo,
Entre as irmãs cobertas de amargura;
E eu que faço(ai de mim!) como os não sigo!

Que há no mundo que ver,se a formosura,
Se Amor,se as Graças,se o prazer contigo,
Jazem no eterno horror da sepultura?

-BOCAGE-

segunda-feira, março 26, 2007

CONSOLAÇÕES NA TIRANIA DE UMA INGRATA

-XXXI-

Meu frágil coração,para que adoras,
Para que adoras,se não tens ventura?
Se uns olhos,de quem ardes na luz pura,
Folgando estão das lágrimas que choras?

Os dias vês fugir,voar as horas,
Sem achar neles visos de ternura;
E inda a louca esperança te figura
O prémio dos martírios,que devoras!

Desfaze as trevas de um funesto engano,
Que não hás -de vencer a inimizade
De um génio contra ti sempre tirano:

A justa,a sacrossanta divinidade
Não força,não violenta o peito humano,
E queres constranger-lhe a liberdade?

-BOCAGE-

domingo, março 25, 2007

ANTEPÕE O AMOR DE JÓNIA ÂS HONRAS E RIQUEZAS

-XXX-

Esses tesouros ,esses bens sagrados
Para os cegos mortais,bens de que abunda
Ásia guerreira ,América fecunda,
Filhos da terra,pelo sol gerados:

Honras,grandezas ,títulos inchados,
Servil incenso,adulação jucunda,
Não quero,naõ,que sobre mim difunda
Amiga dextra de risonhos Fados:

Quero que as Fúrias hórridas m,escoltem,
Quero que contra mim,que em vão deliro,
Os racionais e irracionais se voltem:

Quero da morte o formidável tiro,
Contanto,ó Jónia,que meus lábios soltem
Nesses teus lábios o final suspiro.

-BOCAGE-

sábado, março 24, 2007

CELEBRA AS GRAÇAS DE ELMIRA

-XXIX-

Os suaves eflúvios,que respira
A flor de Vénus,a melhor das flores,
Exala de teus lábios tentadores,
Ó doce,ó bela,ó desejada Elmira;

A que nasceu das ondas ,se te vira,
A seu pesar cantara os teus louvores;
Ditoso quem por ti morre d,amores!
Ditoso quem por ti,meu bem,suspira!

E mil vezes ditoso o que merece
Um teu furtivo olhar,um teu sorriso,
Por quem da mãe formosa Amor se esquece!

O sacrílego ateu,sem lei,sem siso,
Contemple-te uma vez,que então conhece
Que é força haver um Deus e um Paraíso.

-BOCAGE-

sexta-feira, março 23, 2007

VOLVENDO A AMAR DE NOVO UMA DAMA DESPREZADA

-XXVIII-

A teus mimosos pés,meu bem,rendido,
Confirmo os votos,que a traição manchara;
Fumam de novo incensos sobre a ara,
Que a vil ingratidão tinha abatido:

De novo sobre as asas de um gemido
Te of,reço o coração,que te agravara;
Saudoso torno a ti,qual torna à cara
Perdída pátria o mísero banido:

Renovemos o nó por mim desfeito,
Que eu já maldigo o tempo desgraçado
Em que a teus olhos não vivi sujeito;

Concede-me outra vez o antigo agrado;
Que mais queres ?Eu choro,e no meu peito
O punhal do remorso está cravado.

-BOCAGE-

quinta-feira, março 22, 2007

AOS ANOS DA SR.ª D.MARIA JOAQUINA DE MELO

-XXVII-

Há pouco a mãe das Graças,dos Amores,
Gerada pela espuma cristalina,
Baixou asas da etéra região divina
Nas asas dos Favóritos voadores:

«Ó das margens do Tejo habitadores!
Hoje torna a luzir»(disse Ericina)
«O ledo instante em que nasceu Marina,
Ínclito fruto de ínclitos maiores:

«Do céu,do mar,da terra os soberanos
Imprimindo-lhe encantos a milhares,
Criaram nela a glória dos humanos:

«Eia,cantai-lhe os dotes singulares,
Louvai seus olhos,aplaudi seus anos,
Queimai-lhe aromas, erigi-lhe altares.»

-BOCAGE-

quarta-feira, março 21, 2007

À CONSTÂNCIA DE DIDO

-XXVI-

Arde em vão por Elisa,em vão porfia
Contra a constância da heroína augusta
O bárbaro senhor d,África adusta,
Que do sangue de Jove se gloria:

Em vão lhe of,rece a vasta monarquia,
Aonde a espádua atlântica robusta
Sustenta os céus,o caminhante assusta,
E hórridos monstros indomáveis cria:

Não cede Elisa;e vendo que furioso
Usa da força o líbico tirano,
Ela intrépida escolhe um fim glorioso.

Mentes,mentes,injusto mantuano!
Dido infeliz foi vítima do esposo,
Foi vitíma da fé ,não do troiano.

-BOCAGE-

terça-feira, março 20, 2007

DESENGANADO DO AMOR E DA FORTUNA

-XXV-

Fiei-me nos sorrisos da ventura,
Em mimos femenis ,como fui louco!
Vi raiar o prazer ;porém tão pouco
Momentâneo relâmpago não dura:

No meio agora desta selva escura,
Dentro deste penedo húmido e oco,
Pareço, até no tom lúgrubre e rouco,
Triste sombra a capir na sepultura:

Que estância para mim tão própria é esta!
Causais-me um doce e fúnebre transporte,
Áridos matos,lôbrega floresta!

Ah!não me roubou tudo a negra sorte:
Inda tenho este abrigo,inda me resta
O pranto,a queixa,a solidão e a morte.

-BOCAGE-

segunda-feira, março 19, 2007

RECREIOS CAMPESTRES NA COMPANHIA DE MARÍLIA

-XXIV-

Olha bem,as pautas dos pastores
Que bem que soam,como estão cadentes!
Olha o Tejo a sorrir-se!Olha ,não sentes
Os Zéfiros brincar por entre as flores?

Vê como ali beijando-se os Amores
Incitam nosso ósculos ardentes!
Ei-las de planta em planta as inocentes,
As vagas borboletas de mil cores!

Naquele arbusto o rouxinol suspira,
Ora nas folhas a abelhinha pára,
Ora nos ares sussurrando gira:

Que alegre campo!Que manhã tão clara!
Mas ah!Tudo o que vês,se eu te não vira,
Mais tristeza que a morte me causara.

-BOCAGE-

domingo, março 18, 2007

PUNGINDO DA REALIDADE,PROCURA ALÍVIO NAS ILUSOES

-XXIII-

Ãnsias terríveis,íntimos tormentos,
Negras imagens,hórridas lembranças,
Amargosas,mortais desconfianças,
Deixai-me sossegar alguns momentos:

Sofrei que logre os vãos contentamentos
Que sonham minhas doidas esperanças;
A posse de alvo rosto,e louras tranças,
Onde presos estão meus pensamentos:

Deixai-me confiar na formusura,
Cruéis!Deixai-me crer num doce engano,
Blasonar de fantástica ventura.

Que mais mal me quereis,que maior dano,
Do que vagar nas trevas da loucura,
Aborrecendo a luz do desengano?

-BOCAGE-

sábado, março 17, 2007

O TEMPLO DO CIÚME

-XXII-

Guiou-me ao templo do letal Ciúme
A Desesperação que em mim fervia,
O cabelo de horror se me arrepia
Ao recordar o formidável nume:

Fumegava-lhe aos pés tartáreo lume,
Crespa serpe as entranhas lhe roía;
Eram ministros seus a Aleivosia,
O Susto,a Morte,a Cólera,o Queixume:

«Cruel!»(grito em frenético transporte)
«Dos sócios teus ,no báratro gerados,
Dá-me um só,que te invejo,a Morte,a Morte.»

«Cessa»(diz),«os teus rogos são baldados:
Querem ter-te no mundo Amor, e a Sorte,
Para consolação dos desgraçados.»

-BOCAGE-

sexta-feira, março 16, 2007

LAMENTA SOLITÁRIO A PERDA DA SUA AMADA

-XXI-

O corvo grasnador e o mocho feio,
O sapo berrador e a rã molesta
São meus únicos sócios na floresta,
Onde carpindo estou,de angústia cheio:

Perdi todo o prazer,todo o receio...
Ah,malfadado amor,paixão funesta!
Ursulina perdi,nada me resta;
Madre terra !Agasalha-me em teu seio:

Da vibora mordaz permite,ó Sorte,
Que nos matos aspérrimos que piso
As plantas me envenene o ténue corte!

Ah!Que de Graças?Que é do paraíso?
A minha alma onde esta?Quem logra...ó Morte,
Quem logra de Ursulina o doce riso?

-BOCAGE-

quinta-feira, março 15, 2007

DESCREVENDO OS ENCANTOS DE MARÍLIA

-XX-

Marília,se em teus olhos atentara,
Do estelífero sólio reluzente
Ao vil mundo outra vez omnipotente,
O fulminante Júpiter baixara:

Se o Deus ,que assanha as Fúrias,te avistara
As mãos de neve,o colo transparente,
Suspirando por ti,do caos ardente
Surgira à luz do dia,e te roubara:

Se a ver-te de mais perto o Sol descera,
No áureo carro veloz dando-te assento
Até da esquiva Dafne se esquecera:

E se a força igualasse o pensamento,
Ó alma da minha alma,eu te oferecera
Com ela a terra,o mar e o firmamento.

-BOCAGE-

quarta-feira, março 14, 2007

RECORDAÇÕES DE MARÍLIA AUSENTE

-XIX-

Por esta solidão,que não consente
Nem do Sol ,nem da Lua a claridade,
Ralado o peito já pela saudade,
Dou mil gemidos a Marília ausente:

De seus crimes a mancha inda recente
Lava Amor ,e triunfa da verdade;
A beleza,apesar da falsidade,
Me ocupa o coração,me ocupa a mente.

Lembram-me aqueles olhos tentadores,
Aquelas mãos ,aquele riso,aquela
Boca suave,que respira amores...

Ah! trazei-me,ilusões,a ingrata,a bela!
Pintai-me vós,ó sonhos,entre flores
Suspirando outra vez nos braços dela!

-BOCAGE-

terça-feira, março 13, 2007

INCITANDO-SE A GANHAR PELA OUSADIA A POSSE DA SUA AMADA

-XVIII-

Aflito coração,que o teu tormento,
Que os teus desejos tácito devoras,
E ao doce objecto,às perfeições que adoras,
Só te vás explicar co pensamento.

Infeliz coração,recobra alento,
Seca as inúteis lágrimas,que choras;
Tu cevas o teu mal,porque demoras
Os voos ao ditoso atrevimento.

Inflama surdos ais,que o medo esfria;
Um bem tão suspirado,e tão subido,
Como se há-de-ganhar sem ousadia?

Ao vencedor afoute-se o vencido;
Longe o respeito,longe a cobardia;
Morres de fraco?Morre de atrevido.

-BOCAGE-

segunda-feira, março 12, 2007

ACHANDO-SE AVASSALADO PELA FORMUSURA DE JÓNIA

-XVII-

Enquanto o sábio arreiga o pensamento
Nos fenómenos teus,ó Natureza,
Ou solta árduo problema,ou sobre a mesa
Volve o subtil geométrico instrumento:

Enquanto,alçando a mais o entendimento,
Estuda os vastos céus,e com certeza
Reconhece dos astros a grandeza,
A distância,o lugar e o movimento:

Enquanto o sábio,enfim,mais sabiamente
Se remonta nas asas do sentido
À corte do Senhor omnipotente:

Eu louco,eu cego,eu mísero,eu perdido,
De ti só trago cheia,ó Jónia,a mente;
Do mais ,e de mim mesmo,ando esquecido.

-BOCAGE-

domingo, março 11, 2007

RECEIOS DE MUDANÇA NO OBJECTO AMADO

-XVI-

Temo que a minha ausência e desventura
Vão na tua alma,docemente acesa,
Apoucando os excessos da firmeza,
Rebatendo os assaltos da ternura:

Temo que a tua singular candura
Leve o Tempo fugaz nas asas presa,
Que é quase sempre o vício da beleza
Génio mudável,condição perjura:

Temo;e se o fado mau,fado inimigo,
Confirmar impiamente este receio,
Spectro perseguidor,que anda comigo,

Com rosto,alguma vez de mágoa cheio,
Recorda-te de mim,dize contigo:
«Era fiel,amava-me,e deixei-o.»

-BOCAGE-

sábado, março 10, 2007

ESPERANÇA AMOROSA

-XV-

Grato silêncio,trémulo arvoredo,
Sombra propícia aos crimes e aos amores,
Hoje serei feliz!-Longe,temores,
Longe,fantasmas,ilusões do medo.

Sabei,amigos Zéfiros,que cedo
Entre os braços de Nise,entre estas flores,
Furtivas glórias,tácitos favores,
Hei-de enfim possuir:pórem segredo!

Nas asas frouxos ais,brandos queixumes
Não leveis,não façais isto patente,
Que nem quero que o saiba o pai dos numes:

Cale-se o caso a Jove omnipotente,
Porque,se ele o souber,téra ciúmes,
Vibrará contra mim seu raio ardente.

-BOCAGE-

sexta-feira, março 09, 2007

CONVITE A MARÍLIA

-XIV-

Já se afastou de nós o inverno agreste
Envolto nos seus húmidos vapores;
A fértil Primavera,a mãe das flores,
O prado ameno de boninas veste:

Varrendo os ares o subtil Nordeste
Os torna azuis;as aves de mil cores
Adejam entre Zéfiros e Amores ,
E toma o fresco Tejo a cor celeste:

Vem,ó Marília,vem lograr comigo
Destes alegres campos a beleza,
Destas copadas árvores o abrigo:

Deixa louvar da corte a vã grandeza:
Quanto me agrada mais estar contigo
Notando as perfeições da Natureza!

-BOCAGE-

quinta-feira, março 08, 2007

VÉNUS EXCEDIDA POR MARÍLIA EM FORMUSURA

-XIII-

Ó tranças,de que Amor prisões me tece,
Ó mãos de neve,que regeis meu fado!
Ó tesouro!,ó misterio!,ó par sagrado,
Onde o menino alígero adormece!

Ó ledos olhos ,cuja luz parece
Ténue raio de Sol!Ó gesto amado,
De rosas e açucenas semeado,
Por quem morrera esta alma,se pudesse!

Ó labios,cujo riso a paz me tira,
E por cujos dulcíssimos favores
Talvez o próprio Júpiter suspira!

Ó perfeições!,ó dons encantadores!
De quem sois?...Sois de Vénus?-É mentira;
Sois de Marília,sois de meus amores.

-BOCAGE-

quarta-feira, março 07, 2007

VÉNUS PROTEGE ELMIRA CONTRA A VINGANÇA DE AMOR

-XII-

De Pafos o menino ardendo em ira,
Porque uma ingrata as suas leis detesta,
Tão grave insulto despicar protesta,
E a domar-lhe a altivez,teimoso,aspira:

Dormindo encontra a desdenhosa Elmira,
Sobra a mão reclinada a nívea testa:
«Teu génio»(diz)«amansarei com esta
Farpa subtil»-e do carcás a tira:

Mas a bela Acidália,a quem somente
Rende o travesso infante vassalagem,
Lhe aparece e lhe grita:«Amor ,detém-te!

«Tu ,filho,que não sofres que me ultragem,
Elmira vens ferir,irreverente!
Nela de tua mãe não vês a imagem?»

-BOCAGE-

terça-feira, março 06, 2007

SOBRE A SEPULTURA DE TIRSÁLIA

-XI-

Negra fera,que a tudo as garras lanças:
Já murchaste,insensível a clamores,
Nas faces de Tirsália as rubras flores,
Em meu peito as viçosas esperanças:

Monstro ,que nunca em teus estragos cansas,
Vê as três Graças,vê os nus Amores
Como praguejam teus cruéis furores,
Ferindo os rostos,arrancando as tranças!

Domicilio da noite,horror sagrado,
Onde jaz destruídas a formosura,
Abre-te,dá lugar a um desgraçado:

Eis desço...eis cinzas palpo...Ah,Morte dura!
Ah,Tirsália!Ah,meu bem,resto adorado!
Torna,torna a fechar-te ó sepultura!

-BOCAGE-

segunda-feira, março 05, 2007

LOUVANDO AS GRAÇAS DE MARÍLIA

-X-

Marília ,nos teus olhos buliçosos
Os Amores gentis seu facho acendem;
A teus lábios voando os ares fendem
Terníssimos desejos sequiosos:

Teus cabelos subtis e luminosos
Mil vistas cegam,mil vontades prendem;
E em arte aos de Minerva se não rendem
Teus alvos curtos dedos melindrosos:

Reside em teus costumes a candura,
Mora a firmeza no teu peito amante,
A razão com teus risos se mistura:

És dos céus o composto mais brilhante;
Deram-se as mãos Virtude e Formosura
Para criar tua alma e teu semblante.

-BOCAGE-

domingo, março 04, 2007

RECORDAÇÕES DE FÍLIS

-IX-

A loura Fílis,na estação das flores,
Comigo passeou por este prado
Mil vezes,por sinal trazia ao lado
As Graças,os Prazeres e os Amores.

Quantos mimos então,quantos favores,
Que inocente afeição,que puro agrado
Não me viram gozar(oh,doce estado!)
Mordendo-se de inveja os mais pastores!

Porém ,segundo o feminil costume,
Já Fílis se esqueceu do amor mais terno,
E com Jónio se ri de meu queixume.

Ah!,se nos corações fosses eterno,
Tormento abrasador ,negro ciúme,
Serias tão cruel como os do Inferno!

-BOCAGE-

sábado, março 03, 2007

CELEBRA AS PERFEIÇÕES DE MARÍLIA

-VIII-

Não ,Marília,teu gesto vergonhoso,
A luz dos olhos teus ,serena e pura,
Teu riso,que enche as almas de ternura,
Agora meigo,agora desdenhoso:

Tua cândida mão ,teu pé mimoso,
Tuas mil perfeições,crer que a ventura
As guarda para mim ,fora loucura;
Nem sou digno de ti ,nem sou ditoso:

E que mortal enfim ,que peito humano
Merece os braços teus ,ó ninfa amada?
Que Narciso?Que herói?Que soberano?

Mas que lê minha mente iluminada!...
Céus!... Penetro o futuro !... Ah,não me engano;
De Jove para o toro estás guardada.

-BOCAGE-

sexta-feira, março 02, 2007

O POETA LIVRE DAS PRISÕES DE AMOR

-VII-

Ao templo do propício Desengano
A próvia Razão guiou meus passos;
Por ver-me,louco já ,mordendo os laços,
Os duros laços de um amor profano:

Ajoelho ante o númen soberano,
Mostro-lhes os roxos,os cativos braços,
Dizendo-lhe:«Grã Deus,faze em pedaços
Os ferros,que me pôs Amor tirano!»

A deidade,inimiga da Esperança,
Me responde :«Eu te livro do flagelo
Que oprime os corações;mortal,descança.»

Eis que,brandindo um lúcido cutelo,
Meus ferros corta,e logo da lembrança
Me escapa de Marfida o rosto belo.

-BOCAGE-

quinta-feira, março 01, 2007

O COLO DE MARÍLIA

-VI-

Mavorte,porque em pérfidia cilada
O cruel moço alígero o ferira,
Não faz caso da mãe,que chora e brada,
Quer punir o traidor,que lhe fugira;

Na sinistra o pavez,na dextra a espada,
Nos ígneos olhos fuzilante a ira,
Pula à negra carroça ensanguentada,
Que Belona infernal coas Fúrias tira:

Assim parte ,assim voa;eis que vê posto
No colo de Marília o deus alado,
No colo aonde tem mimoso encosto:

Já Marte arroja as armas,e aplacado
Diz,inclinando o formidável rosto:
«Valha-te,Amor,esse lugar sagrado!»

-BOCAGE-