quarta-feira, novembro 28, 2007

Amar dentro do peito uma donzela

Amar dentro do peito uma donzela;
Jurar-lhe pelos céus a fé mais pura;
Falar-lhe, conseguindo alta ventura,
Depois da meia-noite na janela:

Fazê-la vir abaixo, e com cautela
Sentir abrir a porta, que murmura;
Entrar pé ante pé, e com ternura
Apertá-la nos braços casta e bela:

Beijar-lhe os vergonhosos, lindos olhos,
E a boca, com prazer o mais jucundo,
Apalpar-lhe de leve os dois pimpolhos:

Vê-la rendida enfim a Amor fecundo;
Ditoso levantar-lhe os brancos folhos;
É este o maior gosto que há no mundo.

-BOCAGE-

quinta-feira, abril 26, 2007

DESESPERANÇA

-LXII-

Nise,das Graças e de Amor tesouro,
Voto implorado me firmava um dia,
Na face meiga a cândida alegria,
Aos ventos derramada a trança d,ouro:

Eis que junto de nós ave de agouro
Três vezes esvoaça,pousa e pia;
Os ares prenhe sombra enluta,esfria
E o raio estragador cai sobre um louro.

No repentino horror,que a cena altera,
Quereria talvez dizer-me o fado
Que naõ tinha o meu bem alma sincera?

Ah!Só quis persuadir um desgraçado
Que de o felicitar capaz não era
Nem a glória de ser por Nise amado.

-BOCAGE-

quarta-feira, abril 25, 2007

PRETENDENDO ABRANDAR A ESQUIVANÇA DE URSULINA

-LXI-

Desprega as asas,tímida Esperança,
Minha consolação não desanimes:
Adeja,voa;os cultos não são crimes,
Nem Jove a quem o adora os raios lança

Com ais de um coração que não descança,
Terno,benigno dó vai ver se imprimes
Na formosa Ursulina,ou se reprimes
Ténue porção de ríspida esquivança.

Chorosas preces,trémulo respeito,
Exercita com ela,e tu,mimoso
Cândido amor,que escravo me tens feito,

Para adoçar-lhe o génio desdenhoso
Deixa-lhe os olhos,salta-lhe no peito,
Ñão perdes nada,e fazes-me ditoso.

-BOCAGE-

terça-feira, abril 24, 2007

PREDIÇÃO CUMPRIDA

-LX-

Tragado o peito de cruéis pesares,
Em doloroso e rábido transporte,
Contra Amor,de quem pende a minha sorte,
Voavam meus queixumes a milhares:

Eis que,desde os azuis serenos ares,
Me grita o Deus:«Tua alma se conforte,
Que nem sempre o Furor,o Estrago,a Morte,
Ministros hão-de ser dos meus altares:

«Aquela paz,aquele gosto,aquela
Ventura,que até agora te hei negado,
Guardei nos olhos de Ritália bela.»

Disse ,e limpando o rosto amargurado,
Corro da ninfa aos pés,encontro nela
Quanto Amor pode dar,e o Céu ,e o Fado.

-BOCAGE-

segunda-feira, abril 23, 2007

RETRATO DE UMA FORMUSURA ESQUIVA

(Improvisado)
-LIX-

Da minha ingrata Flérida gentil
Os verdes olhos esmeraldas são;
E de cândida prata a lisa mão,
Onde eu dum beijo passaria a mil:

A trança ,cor do Sol,rede subtil
Em que se foi prender meu coração,
É d,ouro,o pai da túmida ambição,
Prole fatal do cálido Brasil:

Seu peito delicado e tentador
É porção de alabasto,a quem jamais
Penetraram farpões do deus traidor;

Mas como há-de a tirana ouvir meus ais,
Como há-de esta cruel sentir amor,
Se é composta de pedras e metais!

-BOCAGE-

domingo, abril 22, 2007

O POETA ASSETEADO POR AMOR

-LVIII-

Ó Céus!Que sinto n,alma!Que tormento!
Que repentino frenesi me anseia!
Que veneno a ferver de veia em veia
Me gasta a vida,me desfaz o alento!

Tal era,doce amada,o meu lamento,
Eis que esses deus,que em prantos se receia,
Me diz:«A que se expõe quem não receia
Contemplar Ursulina um só momento!

«Insano!Eu bem te vi dentre a luz pura
De seus olhos travessos,e cum tiro
Puni tua sacrílega loucura:

«De morte,por piedade hoje te firo;
Vai pois,vai merecer na sepultura
À tua linda ingrata algum suspiro.»

-BOCAGE-

sábado, abril 21, 2007

VISÃO REALIZADA

-LVII-

Sonhei que a mim correndo o gnídeo nume
Vinha coa Morte,co Ciúme ao lado,
E me bradava:«Escolhe,desgraçado,
Queres a Morte,ou queres o Ciúme?

«Não é pior daquela fouce o gume
Que a ponta dos farpões que tens provado;
Mas o monstro voraz,por mim criado,
Quando horror há no Inferno em si resume.»

Disse; e eu dando um suspiro:«Ah,não m,espantes
Coa vista dessa fúria!...Amor,clemência!
Antes mil mortes,mil infernos antes!»

Nisto acordei com dor,com impaciência;
E não vos encontrando,olhos brilhantes,
Vi que era a minha morte a vossa ausência!

-BOCAGE-

sexta-feira, abril 20, 2007

VÉNUS RECONHECENDO A SUPERIORIDADE DA BELEZA DE NISE

-LVI-

Aquela que na esfera luminosa,
Precedendo a manhã,qual astro brilha,
Mãe dos Amores,das espumas filha,
Que o mar na concha azul passeia airosa:

Apenas viu sorrir Nise formosa,
A quem dos corações o Deus se humilha,
Do cinto desatando a áurea presilha,
No regaço lho pôs,leda e mimosa:

«Não te é,bem sei»(lhe diz),«não te é preciso;
Para atrair vontades à ternura
Basta-te um gesto,basta-te um sorrizo:

«Mas deves possuí-lo,ó ninfa pura,
Como troféu,que dê ao mundo aviso
De que Vénus te cede em formosura.»

-BOCAGE-

quinta-feira, abril 19, 2007

INVOCAÇÃO À NOITE

-LV-

Ó deusa,que proteges dos amantes
O destro furto,o crime deleitoso,
Abafa com teu manto pavoroso
Os importunos astros vigilantes:

Quero adoçar meus lábios anelantes
No seio de Ritália melindroso;
Estorva que os maus olhos do invejoso
TurbemD,amor os sôfregos instantes:

Tétis formosa,tal encanto inspire
Ao namorado Sol teu níveo rosto,
Que nunca de teus braços se retire!

Tarda ao menos o carro à Noite oposto,
Até que eu desfaleça,até que expire
Nas ternas ânsias, no inefável gosto.

-BOCAGE-

quarta-feira, abril 18, 2007

PROTESTOS DE CONSTÂNCIA ETERNA

-LIV-

Não temas ,ó Ritalia,que o choroso,
O desvelado Elmano,a fé quebrante,
Não desconfies do singelo amante
Que tu podes,tu só ,fazer ditoso:

Serena o coração tenro e cioso,
Que inda minh,alma te há- de ser constante
Se,o primeiro que a tua ,andar errante
Pelas margens do Letes preguiçoso:

Naquela ao sol inacessível parte,
Dos manes taciturnos entre o bando
Ao negro esquecimento hei-de furtar-te:

E o pensamento alígero voando
Por abafados ares,visitar-te
Dali virá,meu bem,de quando em quando

-BOCAGE-